Filosofal ґ e por isso se fechavam no silкncio.
Jб havia gasto parte da fortuna que seu pai lhe deixara, buscando
inutilmente a Pedra Filosofal. Tinha freqьentado as melhores bibliotecas do
mundo, e comprado os livros mais importantes e mais raros sobre alquimia.
Num deles descobriu que hб muitos anos atrбs, um famoso alquimista бrabe
havia visitado a Europa. Diziam que ele tinha mais de duzentos anos, que
havia descoberto a Pedra Filosofal e o Elixir da Longa Vida. O Inglкs ficou
impressionado com a histуria. Mas tudo nгo teria passado de mais uma lenda,
se um amigo seu ґ voltando de uma expediзгo arqueolуgica no deserto ґ nгo
lhe tivesse contado sobre um бrabe que tinha poderes excepcionais.
ґ Mora no oбsis de Al-Fayoum ґ disse seu amigo. ґ E as pessoas contam
que tem duzentos anos, e que й capaz de transformar qualquer metal em ouro.
O Inglкs nгo coube em si de tanta excitaзгo. Imediatamente cancelou
todos os seus compromissos, juntou os livros mais importantes, e agora
estava ali, naquele armazйm parecido com um curral, enquanto lб fora uma
imensa caravana se preparava para cruzar o Saara. A caravana passava por
Al-Fayoum.
"Tenho que conhecer este maldito Alquimista", pensou o Inglкs. E o
cheiro dos animais tornou-se um pouco mais tolerбvel.




Um jovem бrabe, tambйm carregado de malas, entrou no lugar onde o
Inglкs estava e o cumprimentou.
ґ Aonde vocк vai? ґ perguntou o jovem бrabe.
ґ Para o deserto ґ respondeu o Inglкs, e voltou para a sua leitura. Nгo
queria conversar agora. Precisava recordar tudo que havia aprendido em dez
anos, pois o Alquimista deveria submetк-lo a alguma espйcie de prova.
O jovem бrabe tirou um livro e comeзou a ler. O livro estava escrito em
espanhol. "Ainda bem", pensou o Inglкs. Sabia falar espanhol melhor que
бrabe, e se este rapaz fosse atй Al-Fayoum, ia ter alguйm para conversar
quando nгo estivesse ocupado com coisas importantes.


"Que coisa engraзada" ґ pensou o rapaz enquanto tentava mais uma vez
ler a cena do enterro que iniciava o livro. ґ "Faz quase dois anos que
comecei a ler, e nгo consigo passar destas pбginas". Mesmo sem um rei para
interrompк-lo, ele nгo conseguia se concentrar. Ainda estava em dъvida
quanto а sua decisгo. Mas estava percebendo uma coisa importante: as
decisхes eram apenas o comeзo de alguma coisa. Quando alguйm tomava uma
decisгo, na verdade estava mergulhando numa correnteza poderosa, que levava
a pessoa para um lugar que jamais havia sonhado na hora de decidir.
"Quando resolvi ir em busca do meu tesouro, nunca imaginei trabalhar
numa loja de cristais", pensou o rapaz, para confirmar seu raciocнnio. "Da
mesma maneira, esta caravana pode ser uma decisгo minha, mas seu percurso
serб sempre um mistйrio".
Na sua frente havia um europeu tambйm lendo um livro. O europeu era
antipбtico, e tinha olhado com desprezo quando ele entrou. Podiam atй ter se
tornado bons amigos, mas o europeu havia interrompido a conversa.
O rapaz fechou o livro. Nгo queria fazer nada que o deixasse parecido
com aquele europeu. Tirou o Urim e o Tumim do bolso, e comeзou a brincar com
eles.
O estrangeiro deu um grito:
ґ Um Urim e um Tumim!
O rapaz, mais que depressa, guardou as pedras no bolso.
ґ Nгo estгo а venda ґ disse.
ґ Nгo valem muito ґ disse o Inglкs. ґ Sгo cristais de rocha, nada mais.
Hб milhхes de cristais de rocha na terra, mas para quem entende, estes sгo
Urim e Tumim. Nгo sabia que eles existiam nesta parte do mundo.
ґ Foi o presente de um rei ґ disse o rapaz.
O estrangeiro ficou mudo. Depois enfiou a mгo no bolso e retirou,
tremendo, duas pedras iguais.
ґ Vocк falou em um rei ґ disse.
ґ E vocк nгo acredita que os reis conversem com pastores ґ disse o
rapaz, desta vez querendo encerrar a conversa.
ґ Ao contrбrio. Os pastores foram os primeiros a reconhecer um rei que
o resto do mundo recusou-se a conhecer. Por isso й muito provбvel que os
reis conversem com pastores.
E completou, com medo que o rapaz nгo estivesse entendendo:


ґ Estб na Bнblia. No mesmo livro que me ensinou a fazer este Urim e
este Tumim. Estas pedras eram a ъnica forma de adivinhaзгo permitida por
Deus. Os sacerdotes as carregavam num peitoral de ouro.
O rapaz ficou contente de estar naquele armazйm.
ґ Talvez isto seja um sinal ґ disse o Inglкs, como quem pensa alto.
ґ Quem lhe falou em sinais? ґ o interesse do rapaz crescia a cada
momento.
ґ Tudo na vida sгo sinais ґ disse o Inglкs, desta vez fechando a
revista que estava lendo. O Universo й feito por uma lнngua que todo mundo
entende, mas que jб se esqueceu. Estou procurando esta Linguagem Universal,
alйm de outras coisas.
"Por isso estou aqui. Porque tenho que encontrar um homem que conhece
esta Linguagem Universal. Um Alquimista."
A conversa foi interrompida pelo chefe do armazйm.
ґ Vocкs estгo com sorte ґ disse o бrabe gordo. ґ Sai hoje а tarde uma
caravana para Al-Fayoum.
ґ Mas eu vou ao Egito ґ disse o rapaz.
ґ Al-Fayoum й no Egito ґ disse o dono.
ґ Que tipo de бrabe vocк й?
O rapaz disse que era espanhol. O Inglкs ficou satisfeito: mesmo
vestido como бrabe, o rapaz pelo menos era europeu.
ґ Ele chama de "sorte" os sinais ґ disse o Inglкs, depois que o gordo
бrabe saiu. ґ Se eu pudesse, escreveria uma gigantesca enciclopйdia sobre as
palavras "sorte" e "coincidкncia". Й com estas palavras que se escreve a
Linguagem Universal.
Depois comentou com o rapaz que nгo havia sido "coincidкncia"
encontrб-lo com o Urim e o Tumim na mгo. Perguntou se ele tambйm estava indo
em busca do Alquimista.
ґ Estou indo em busca de um tesouro ґ disse o rapaz, e arrependeu-se
imediatamente. Mas o Inglкs pareceu nгo dar importвncia.
ґ De certa forma, eu tambйm estou, disse.
ґ E nem sei o que quer dizer Alquimia ґ completou o rapaz, quando o
dono do armazйm comeзou a chamб-los para fora.





ґ Eu sou o Lнder da Caravana ґ disse um senhor de barba longa e olhos
escuros. ґ Tenho poder de vida e de morte sobre cada pessoa que carrego.
Porque o deserto й uma mulher caprichosa, e аs vezes deixa os homens loucos.
Haviam quase duzentas pessoas, e o dobro de animais. Eram camelos,
cavalos, burros, aves. O Inglкs tinha vбrias malas, cheias de livros. Haviam
mulheres, crianзas, e vбrios homens com espadas na cintura e longas
espingardas nos ombros. Um imenso burburinho enchia o local, e o Lнder teve
que repetir vбrias vezes suas palavras para que todos entendessem.
ґ Hб vбrios homens e deuses diferentes no coraзгo destes homens. Mas
meu ъnico Deus й Allah, e por ele eu juro que farei o possнvel e o melhor
para vencer mais uma vez o deserto. Agora quero que cada um de vocкs jure
pelo Deus em que acredita, no fundo


do seu coraзгo, de que irб me obedecer em qualquer circunstвncia. No
deserto, a desobediкncia significa a morte.
Um murmъrio correu baixo por todas as pessoas. Estavam jurando em voz
baixa diante de seu Deus. O rapaz jurou por Jesus Cristo. O Inglкs ficou em
silкncio. O murmъrio se estendeu um tempo maior do que uma simples jura; as
pessoas tambйm estavam pedindo proteзгo aos cйus.
Ouviu-se um longo toque de clarim, e cada um montou em seu animal. O
rapaz e o Inglкs haviam comprado camelos, e subiram com uma certa
dificuldade. O rapaz ficou com pena do camelo do Inglкs: estava carregado
com as pesadas sacolas de livros.
ґ Nгo existem coincidкncias ґ disse o Inglкs, tentando continuar a
conversa que haviam iniciado no armazйm. ґ Foi um amigo que me trouxe atй
aqui, porque conhecia um бrabe, que...
Mas a caravana comeзou a andar, e ficou impossнvel escutar o que o
Inglкs estava dizendo. Entretanto, o rapaz sabia exatamente do que se
tratava: a cadeia misteriosa que vai unindo uma coisa com a outra, que o
tinha levado a ser pastor, a ter o mesmo sonho, e estar numa cidade perto da
Бfrica, e encontrar na praзa um rei, e ser roubado para conhecer um mercador
de cristais, e...
"Quanto mais se chega perto do sonho, mais a Lenda Pessoal vai se
tornando a verdadeira razгo de viver", pensou o rapaz.





A caravana comeзou a seguir em direзгo ao poente. Viajavam de manhг,
paravam quando o sol ficava mais forte, e seguiam de novo ao entardecer. O
rapaz conversava pouco com o Inglкs, que passava a maior parte do tempo
entretido pelos livros.
Entгo, passou a observar em silкncio a marcha de animais e homens pelo
deserto. Agora tudo era muito diferente do dia em que haviam partido:
naquele dia, confusгo e gritos, choros e crianзas e relinchar de animais, se
misturavam com as ordens nervosas dos guias e dos comerciantes.
No deserto, porйm, havia apenas o vento eterno, o silкncio, e o casco
dos animais. Mesmo os guias conversavam pouco entre si.
"Jб cruzei muitas vezes estas areias" ґ disse um cameleiro certa noite.
"Mas o deserto й tгo grande, os horizontes ficam tгo longe, que fazem a
gente se sentir pequeno e permanecer em silкncio".
O rapaz entendeu o que o cameleiro queria dizer, mesmo sem ter pisado
antes num deserto. Todas as vezes que olhava o mar ou o fogo, era capaz de
ficar horas em silкncio, sem pensar em nada, mergulhado na imensidгo e na
forзa dos elementos.
"Aprendi com ovelhas e aprendi com cristais", pensou ele. "Posso tambйm
aprender com o deserto. Ele me parece mais velho e mais sбbio".
O vento nгo parava nunca. O rapaz lembrou-se do dia em que sentiu este
mesmo vento, sentado num forte em Tarifa. Talvez ele agora estivesse roзando
de leve pela lг de suas ovelhas, que seguiam em busca de alimento e бgua
pelos campos de Andaluzia.
"Nгo sгo mais minhas ovelhas", disse para si mesmo, sem sentir
saudades. "Devem ter se acostumado a um novo pastor, e jб me esqueceram.
Isto й bom. Quem estб acostumado a viajar, como as ovelhas, sabe que й
sempre necessбrio partir um dia".
Lembrou-se depois, da filha do comerciante, e teve certeza de que ela
jб havia casado. Quem sabe com um pipoqueiro, ou com um pastor que tambйm
soubesse ler e contasse histуrias extraordinбrias; afinal, ele nгo devia ser
o ъnico. Mas ficou impressionado com o seu pressentimento: talvez ele
estivesse aprendendo tambйm esta histуria de Linguagem Universal, que sabe o
passado e o presente de todos os homens. "Pressentimentos", como sua mгe
costumava dizer. O rapaz comeзou a entender que os pressentimentos eram os
rбpidos mergulhos que a alma dava nesta corrente Universal de vida, onde a
histуria de todos os homens estб ligada entre si, e podemos saber tudo,
porque tudo estб escrito.
"Maktub", disse o rapaz, lembrando-se do Mercador de Cristais.

O deserto era аs vezes feito de areia, e аs vezes feito de pedra. Se a
caravana chegava em frente a uma pedra, ela a contornava; se estavam diante
de um rochedo, davam uma longa volta. Se a areia era fina demais para o
casco dos camelos, procuravam um lugar onde a areia fosse mais resistente.
Аs vezes o chгo estava coberto de sal, no lugar onde um lago devia haver
existido. Os animais entгo se queixavam, e os cameleiros desciam e
desatolavam os animais. Depois colocavam as cargas nas prуprias costas,
passavam pelo chгo traiзoeiro, e novamente carregavam os animais. Se um guia
ficava doente ou morria, os cameleiros lanзavam a sorte e escolhiam um novo
guia.
Mas tudo isto acontecia por uma ъnica razгo: nгo importava quantas
voltas tivesse que dar, a caravana seguia sempre em direзгo a um mesmo
ponto. Depois de vencidos os obstбculos, ela voltava de novo sua frente para
o astro que indicava a posiзгo


do oбsis. Quando as pessoas viam aquele astro brilhando no cйu pela
manhг, sabiam que ele indicava um lugar com mulheres, бgua, tвmaras e
palmeiras. Sу o Inglкs nгo percebia aquilo: estava a maior parte do tempo
imerso na leitura dos seus livros.
O rapaz tambйm tinha um livro, que havia tentado ler nos primeiros dias
de viagem. Mas achava muito mais interessante olhar a caravana e escutar o
vento. Assim que aprendeu a conhecer melhor seu camelo e a se afeiзoar a
ele, jogou o livro fora. Era um peso desnecessбrio, apesar do rapaz haver
criado a superstiзгo de que toda vez que abria o livro, encontrava alguйm
importante.
Terminou fazendo amizade com o cameleiro que viajava sempre ao seu
lado. De noite, quando paravam em volta das fogueiras, costumava contar suas
aventuras como pastor ao cameleiro.
Numa destas conversas o cameleiro comeзou a falar de sua vida.
ґ Eu morava num lugar perto de El Cairum ґ contou. ґ Tinha minha horta,
meus filhos e uma vida que nгo ia mudar atй o dia de minha morte. Num ano em
que a colheita foi melhor, seguimos todos para Meca, e eu cumpri a ъnica
obrigaзгo que estava faltando na minha vida. Podia morrer em paz, e gostava
disto.
"Certo dia a terra comeзou a tremer, e o Nilo subiu alйm do seu limite.
Aquilo que eu pensava que sу acontecia com os outros, terminou acontecendo
comigo. Meus vizinhos tiveram medo de perder suas oliveiras com a inundaзгo;
minha mulher teve receio de que nossos filhos fossem levados pelas бguas. E
eu tive pavor de ver destruнdo tudo que havia conquistado.
"Mas nгo houve jeito. A terra ficou imprestбvel e tive que arranjar
outro meio de vida.
Hoje sou cameleiro. Mas aн entendi a palavra de Allah: ninguйm sente
medo do desconhecido, porque qualquer pessoa й capaz de conquistar tudo que
quer e necessita.
"Sу sentimos medo de perder aquilo que temos, sejam nossas vidas ou
nossas plantaзхes. Mas este medo passa quando entendemos que nossa histуria
e a histуria do mundo foram escritas pela mesma Mгo".


Аs vezes as caravanas se encontravam durante a noite. Sempre uma delas
tinha o que a outra estava precisando ґ como se realmente tudo fosse escrito
por uma sу Mгo. Os cameleiros trocavam informaзхes sobre as tempestades de
vento, e se reuniam em torno das fogueiras, contando as histуrias do
deserto.
Outras vezes chegavam misteriosos homens encapuзados; eram beduнnos que
espionavam a rota seguida pelas caravanas. Davam notнcias de assaltantes e
tribos bбrbaras. Chegavam no silкncio e partiam no silкncio, com as roupas
negras deixando apenas os olhos de fora.

Numa destas noites o cameleiro veio atй a fogueira onde o rapaz e o
Inglкs estavam sentados.
ґ Hб rumores de guerra entre os clгs ґ disse o cameleiro.
Os trкs ficaram quietos. O rapaz notou que havia medo no ar, mesmo que
ninguйm tivesse dito nenhuma palavra. Mais uma vez estava percebendo a
linguagem sem palavras, a Linguagem Universal.
Depois de certo tempo, o Inglкs perguntou se havia perigo.


ґ Quem entra no deserto nгo pode voltar ґ disse o cameleiro. ґ Quando
nгo se pode voltar, sу devemos ficar preocupado com a melhor maneira de
seguir em frente. O resto й por conta de Allah, inclusive o perigo.
E concluiu dizendo a misteriosa palavra: "Maktub".
ґ Vocк precisa prestar mais atenзгo аs caravanas ґ disse o rapaz ao
Inglкs, depois que o cameleiro saiu. ґ Elas dгo muitas voltas, mas rumam
sempre para o mesmo lugar.
ґ E vocк devia ler mais sobre o mundo ґ respondeu o Inglкs. ґ Os livros
sгo iguais аs caravanas.

O imenso grupo de homens e animais comeзou a andar mais rбpido. Alйm do
silкncio durante o dia, as noites ґ quando as pessoas costumavam se reunir
para conversar em torno das fogueiras ґ comeзaram a ficar tambйm
silenciosas. Certo dia o Lнder da Caravana decidiu que nem fogueiras podiam
mais ser acesas, para nгo chamar a atenзгo sobre a caravana.
Os viajantes passaram a fazer uma roda de animais, e dormiam todos
juntos no centro, tentando se proteger do frio noturno. O Lнder passou a
instalar sentinelas armadas em volta do grupo.
Numa daquelas noites o Inglкs nгo conseguiu dormir. Chamou o rapaz e
comeзaram a passear pelas dunas em volta do acampamento. Era uma noite de
lua cheia, e o rapaz contou ao Inglкs toda a sua histуria.
O Inglкs ficou fascinado com a loja que havia progredido depois que o
rapaz comeзou a trabalhar nela.
ґ Este й o princнpio que move todas as coisas ґ disse. ґ Na Alquimia й
chamado de Alma do Mundo. Quando vocк deseja algo de todo o seu coraзгo,
vocк estб mais prуximo da Alma do Mundo. Ela й sempre uma forзa positiva.
Disse tambйm que isto nгo era apenas um dom dos homens: todas as coisas
sobre a face da Terra tinham tambйm uma alma, nгo importando se era mineral,
vegetal, animal, ou apenas um simples pensamento.
ґ Tudo que estб sob e sobre a face da Terra se transforma sempre,
porque a Terra estб viva; e tem uma alma. Somos parte desta Alma, e
raramente sabemos que ela sempre trabalha em nosso favor. Mas vocк deve
entender que, na loja dos cristais, atй mesmo os vasos estavam colaborando
para o seu sucesso.
O rapaz ficou em silкncio por algum tempo, olhando a lua e a areia
branca.
ґ Tenho visto a caravana caminhando atravйs do deserto ґ disse, por
fim. ґ Ela e o deserto falam a mesma lнngua, e por isso ele permite que ela
o atravesse. Vai testar cada passo seu, para ver se estб em perfeita
sintonia com ele; e se estiver, ela chegarб atй o oбsis.
"Se um de nуs chegasse aqui com muita coragem, mas sem entender esta
lнngua, ia morrer no primeiro dia."
Continuaram olhando a lua, juntos.
ґ Esta й a magia dos sinais ґ continuou o rapaz. ґ Tenho visto como os
guias lкem os sinais do deserto, e como a alma da caravana conversa com a
alma do deserto.
Depois de algum tempo, foi a vez do Inglкs falar.
ґ Preciso prestar mais atenзгo а caravana ґ disse, por fim.
ґ E eu preciso ler seus livros ґ falou o rapaz.






Eram livros estranhos. Falavam em mercъrio, sal, dragхes e reis, mas
ele nгo conseguia entender nada. Entretanto, havia uma idйia que parecia
repetida em quase todos os livros: todas as coisas eram manifestaзхes de uma
coisa sу.
Num dos livros ele descobriu que o texto mais importante da Alquimia
tinha apenas poucas linhas, e havia sido escrito numa simples esmeralda.
ґ Й a Tбboa da Esmeralda ґ falou o Inglкs, orgulhoso por ensinar alguma
coisa ao rapaz.
ґ E entгo, para que tantos livros?
ґ Para entender estas linhas ґ respondeu o Inglкs, sem estar muito
convencido da prуpria resposta.

O livro que mais interessou ao rapaz contava a histуria dos alquimistas
famosos. Eram homens que tinham dedicado sua vida inteira a purificar metais
nos laboratуrios; acreditavam que se um metal fosse cozinhado durante muitos
e muitos anos, terminaria se libertando de todas as suas propriedades
individuais, e em seu lugar sobrava apenas a Alma do Mundo. Esta Coisa Ъnica
permitia que os alquimistas entendessem qualquer coisa sobre a face da
Terra, porque ela era a linguagem pela qual as coisas se comunicavam. Eles
chamavam esta descoberta de Grande Obra ґ que era composta de uma parte
lнquida e uma parte sуlida.
ґ Nгo basta observar os homens e os sinais, para se descobrir esta
linguagem? ґ perguntou o rapaz.
ґ Vocк tem mania de simplificar tudo ґ respondeu o Inglкs irritado. ґ A
Alquimia й um trabalho sйrio. Precisa que cada passo seja seguido exatamente
como os mestres ensinaram.
O rapaz descobriu que a parte lнquida da Grande Obra era chamada de
Elixir da Longa Vida, e curava todas as doenзas, alйm de evitar que o
alquimista ficasse velho. E a parte sуlida era camada de Pedra Filosofal.
ґ Nгo й fбcil descobrir a Pedra Filosofal ґ disse o Inglкs. ґ Os
alquimistas ficavam muitos anos nos laboratуrios, olhando aquele fogo que
purificava os metais. Olhavam tanto o fogo, que aos poucos suas cabeзas iam
perdendo todas as vaidades do mundo. Entгo, um belo dia, descobriam que a
purificaзгo dos metais havia terminado por purificar a eles mesmos.
O rapaz se lembrou do Mercador de Cristais. Ele havia falado que tinha
sido bom limpar seus vasos, para que ambos se libertassem tambйm dos maus
pensamentos. Estava cada vez mais convencido de que a Alquimia poderia ser
aprendida na vida diбria.
ґ Alйm disso ґ falou o Inglкs ґ a Pedra Filosofal tem uma propriedade
fascinante. Uma pequena lasca dela й capaz de transformar grandes
quantidades de metal em ouro.
A partir desta frase, o rapaz ficou interessadнssimo em Alquimia.
Pensava que, com um pouco de paciкncia, poderia transformar tudo em ouro.
Leu a vida de vбrias pessoas que tinham conseguido: Helvetius, Elias,
Fulcanelli, Geber. Eram histуrias fascinantes: todos estavam vivendo atй o
fim sua Lenda Pessoal. Viajavam, encontravam sбbios, faziam milagres na
frente dos incrйdulos, possuнam a Pedra Filosofal e o Elixir da Longa Vida.


Mas quando queria aprender a maneira de conseguir a Grande Obra, ficava
completamente perdido. Eram apenas desenhos, instruзхes em cуdigo, textos
obscuros.


ґ Por que eles falam tгo difнcil? ґ perguntou certa noite ao Inglкs.
Notou tambйm que o Inglкs andava meio aborrecido e sentindo falta de seus
livros.
ґ Para que sу os que tкm responsabilidade de entender que entendam ґ
disse ele. ґ Imagine se todo mundo saнsse transformando chumbo em ouro.
Daqui a pouco o ouro nгo ia valer nada.
"Sу os persistentes, sу aqueles que pesquisam muito, й que conseguem a
Grande Obra. Por isso estou no meio deste deserto. Para encontrar um
verdadeiro Alquimista, que me ajude a decifrar os cуdigos".
ґ Quando foram escritos estes livros? ґ perguntou o rapaz.
ґ Hб muitos sйculos atrбs.
ґ Naquela йpoca nгo havia imprensa ґ insistiu o rapaz. Nгo havia jeito
de todo mundo tomar conhecimento da Alquimia. Por que esta linguagem tгo
estranha, cheia de desenhos?
O Inglкs nгo respondeu nada. Disse que hб vбrios dias estava prestando
atenзгo а caravana, e que nгo conseguia descobrir nada de novo. A ъnica
coisa que tinha notado era que os comentбrios sobre a guerra aumentavam cada
vez mais.


Um belo dia o rapaz entregou de volta os livros ao Inglкs.
ґ Entгo, aprendeu muita coisa? ґ perguntou o outro, cheio de
expectativa. Estava precisando de alguйm com quem pudesse conversar para
esquecer o medo da guerra.
ґ Aprendi que o mundo tem uma Alma, e quem entender esta Alma,
entenderб a linguagem das coisas. Aprendi que muitos alquimistas viveram sua
Lenda Pessoal e terminaram descobrindo a Alma do Mundo, a Pedra Filosofal, o
Elixir.
"Mas, sobretudo, aprendi que estas coisas sгo tгo simples que podem ser
escritas numa esmeralda".
O Inglкs ficou decepcionado. Os anos de estudo, os sнmbolos mбgicos, as
palavras difнceis, os aparelhos de laboratуrio, nada disso havia
impressionado o rapaz. "Ele deve ter uma alma primitiva demais para
compreender isto", apensou.
Pegou seus livros e guardou nos sacos que pendiam do camelo.
ґ Volte para sua caravana ґ disse. ґ Ela tampouco me ensinou qualquer
coisa.
O rapaz voltou a contemplar o silкncio do deserto e a areia levantada
pelos animais. "Cada um tem sua maneira de aprender", repetia consigo mesmo.
"A maneira dele nгo й a minha, e minha maneira nгo й a dele. Mas ambos
estamos em busca de nossa Lenda Pessoal, e eu o respeito por isto".




A caravana comeзou a viajar dia e noite . A toda hora apareciam os
mensageiros encapuзados, e o cameleiro ґ que haviam se tornado amigo do
rapaz ґ explicou que a guerra entre os clгs havia comeзado. Teriam muita
sorte se conseguissem chegar ao oбsis.
Os animais estavam exaustos, e os homens cada vez mais silenciosos. O
silкncio era mais terrнvel na parte da noite, quando um simples relincho de
camelo ґ que antes nгo passava de um relincho de camelo ґ agora assustava a
todos e podia ser um sinal de invasгo.
O cameleiro, porйm, parecia nгo se impressionar muito com a ameaзa de
guerra.
ґ Estou vivo ґ disse ao rapaz, enquanto comia um prato de tвmaras na
noite sem fogueiras e sem lua. ґ Enquanto estou comendo, nгo faзo nada alйm
de comer. Se estiver caminhando, apenas caminharei. Se tiver que lutar, serб
um dia tгo bom para morrer como qualquer outro.
"Porque nгo vivo nem no meu passado, nem no meu futuro. Tenho apenas o
presente, e ele й o que me interessa. Se vocк puder permanecer sempre no
presente, entгo serб um homem feliz. Vai perceber que no deserto existe
vida, que o cйu tem estrelas, e que os guerreiros lutam porque isto faz
parte da raзa humana. A vida serб uma festa, um grande festival, porque ela
й sempre e apenas o momento que estamos vivendo."
Duas noites depois, quando se preparava para dormir, o rapaz olhou em
direзгo ao astro que seguiam durante a noite. Achou que o horizonte estava
um pouco mais baixo, porque em cima do deserto haviam centenas de estrelas.
ґ Й o oбsis ґ disse o cameleiro.
ґ E porque nгo chegamos lб imediatamente?
ґ Porque precisamos dormir.


O rapaz abriu os olhos quando o sol comeзava a surgir no horizonte.
Diante dele, onde as pequenas estrelas haviam estado durante a noite,
estendia-se uma fila interminбvel de tamareiras, cobrindo toda a frente do
deserto.
ґ Conseguimos! ґ disse o Inglкs, que tambйm tinha acabado de acordar.
O rapaz, porйm, mantinha-se calado. Aprendera o silкncio do deserto, e
contentava-se em olhar as tamareiras na sua frente. Ainda tinha que caminhar
muito para chegar atй as Pirвmides, e algum dia aquela manhг seria apenas
uma lembranзa. Mas agora ela era o momento presente, a festa da qual havia
falado o cameleiro, e ele estava procurando vivк-lo com as liзхes do seu
passado e os sonhos do seu futuro. Um dia, aquela visгo de milhares de
tamareiras seria apenas uma lembranзa. Mas para ele, neste momento,
significava sombra, бgua, e um refъgio para a guerra. Assim como um relincho
de camelo podia se transformar em perigo, uma fila de tamareiras podia
significar um milagre.
"O mundo fala muitas linguagens", pensou o rapaz.




"Quando os tempos andam depressa, as caravanas correm tambйm", pensou o
Alquimista, enquanto via chegar centenas de pessoas e animais ao Oбsis. As
pessoas gritavam atrбs dos recйm-chegados, a poeira encobria o sol do
deserto, e as crianзas pulavam de excitaзгo ao ver os estranhos. O
Alquimista percebeu os chefes tribais se aproximarem do Lнder da Caravana, e
conversarem longamente entre si.
Mas nada daquilo interessava ao Alquimista. Jб havia visto muita gente
chegar e partir, enquanto o Oбsis e o deserto permaneciam o mesmo. Tinha
visto reis e mendigos pisando aquelas areias que sempre mudavam de forma por
causa do vento, mas que eram as mesmas que havia conhecido quando crianзa.
Mesmo assim, nгo conseguia conter no fundo do seu coraзгo um pouco da
alegria de vida que todo viajante experimentava quando, depois de terra
amarela e cйu azul, o verde das tamareiras aparecia diante de seus olhos.
"Talvez Deus tenha criado o deserto para que o homem pudesse sorrir com as
tamareiras", pensou ele.
Depois resolveu concentrar-se em assuntos mais prбticos. Sabia que
naquela caravana vinha o homem a quem devia ensinar parte de seus segredos.
Os sinais lhe haviam contado isto. Ainda nгo conhecia este homem, mas seus
olhos experimentados o reconheceriam quando o visse. Esperava que fosse
alguйm tгo capaz como seu aprendiz anterior.
"Nгo sei porque estas coisas tem que ser transmitidas de boca para
ouvido", pensava ele. Nгo era exatamente porque as coisas eram secretas;
Deus revelava prodigamente seus segredos a todas as criaturas.
Ele sу conhecia uma explicaзгo para este fato: as coisas tinham que ser
transmitidas assim porque elas seriam feitas de Vida Pura, e este tipo de
vida dificilmente consegue ser capturado em pinturas ou palavras.
Porque as pessoas se fascinam com pinturas e palavras, e terminam se
esquecendo da Linguagem do Mundo.






Os recйm-chegados foram trazidos imediatamente а presenзa dos chefes
tribais de Al-Fayoum. O rapaz nгo podia acreditar no que estava vendo: ao
invйs de um poзo cercado de algumas palmeiras ґ como havia lido certa vez
num livro de histуria ґ o oбsis era muito maior do que vбrias aldeias da
Espanha. Tinha trezentos poзos, cinqьenta mil tamareiras, e muitas tendas
coloridas espalhadas entre elas.
ґ Parece as Mil e Uma Noites ґ disse o Inglкs, impaciente para
encontrar-se logo com o Alquimista.
Foram cercados logo pelas crianзas, que olhavam curiosas os animais, os
camelos, e as pessoas que chegavam. Os homens queriam saber se tinham visto
algum combate, e as mulheres disputavam entre si os tecidos e pedras que os
mercadores haviam trazido. O silкncio do deserto parecia um sonho distante;
as pessoas falavam sem parar, riam e gritavam, como se tivessem saнdo de um
mundo espiritual, para estarem de novo entre os homens. Estavam contentes e
felizes.
Apesar das precauзхes do dia anterior, o cameleiro explicou ao rapaz
que os oбsis no deserto eram sempre considerados terrenos neutros, porque a
maior parte dos habitantes eram mulheres e crianзas. E haviam oбsis tanto de
um lado como de outro; assim, os guerreiros iam lutar do deserto, e deixavam
os oбsis como cidades de refъgio.
O Lнder da Caravana reuniu todos com uma certa dificuldade, e comeзou a
dar as instruзхes. Iam permanecer ali atй que a guerra entre os clгs tivesse
terminada. Como eram visitantes, deviam compartilhar as tendas com
habitantes do oбsis, que lhes dariam seus melhores lugares. Era a
hospitalidade da Lei. Depois pediu que todos, inclusive seus prуprios
sentinelas, entregassem as armas aos homens indicados pelos chefes tribais.
ґ Sгo as regras da Guerra ґ explicou o Lнder da Caravana. Desta
maneira, os oбsis nгo poderiam abrigar exйrcitos ou guerreiros.
Para surpresa do rapaz, o Inglкs tirou de seu casaco um revуlver
cromado e entregou ao homem que recolhia as armas.
ґ Para que um revуlver? ґ perguntou.
ґ Para aprender a confiar nos homens ґ respondeu o Inglкs. Estava
contente por haver chegado ao final de sua busca.
O rapaz, porйm, pensava em seu tesouro. Quanto mais perto ele ficava de
seu sonho, mais as coisas se tornavam difнceis. Nгo funcionava mais aquilo
que o velho rei havia chamado de "sorte de principiante". O que funcionava,
sabia ele, era o teste da persistкncia e da coragem de quem busca sua Lenda
Pessoal. Por isso ele nгo podia se apressar, nem ficar impaciente. Se agisse
assim, ia terminar sem ver os sinais que Deus havia posto no seu caminho.
"Deus colocou no meu caminho", pensou o rapaz, surpreso consigo mesmo.
Atй aquele momento considerava os sinais como uma coisa do mundo. Algo como
comer ou dormir, algo como procurar um amor, ou conseguir um emprego. Nunca
tinha pensado que esta era uma linguagem que Deus estava usando para
mostrar-lhe o que devia fazer.
"Nгo fique impaciente", repetiu o rapaz para si mesmo. "Como disse o
cameleiro, coma na hora de comer. E caminhe na hora de caminhar".



No primeiro dia todos dormiram de cansaзo, inclusive o Inglкs. O rapaz
havia ficado longe dele, numa tenda com outros cinco rapazes de idade quase
igual a sua. Eram gente do deserto, e queriam saber histуrias das grandes
cidades.
O rapaz falou de sua vida como pastor, e ia comeзar a contar sua
experiкncia na loja de cristais, quando o Inglкs entrou na tenda.
ґ Procurei-o a manhг inteira ґ disse, enquanto carregava o rapaz para
fora. ґ Preciso que me ajude a descobrir onde mora o Alquimista.
Primeiro os dois tentaram encontrar sozinhos. Um Alquimista devia viver
de maneira diferente das outras pessoas do oбsis, e em sua tenda era muito
provбvel que um forno estivesse sempre aceso. Andaram bastante, atй ficarem
convencidos que o oбsis era muito maior do que podiam imaginar, e com muitas
centenas de tendas.
ґ Perdemos quase o dia inteiro ґ disse o Inglкs, sentando-se com o
rapaz perto de um dos poзos do oбsis.
ґ Talvez seja melhor perguntarmos ґ disse o rapaz.
O Inglкs nгo queria contar aos outros sua presenзa no Oбsis, e ficou
bastante indeciso. Mas acabou concordando e pediu ao rapaz, que falava
melhor o бrabe, para fazer isto. O rapaz se aproximou de uma mulher que
havia chegado no poзo para encher de бgua um saco de pele de carneiro.
ґ Boa tarde, senhora. Gostaria de saber onde vive um Alquimista neste
oбsis ґ perguntou o rapaz.
A mulher disse que jamais havia ouvido falar disso, e foi imediatamente
embora. Antes, porйm, avisou ao rapaz que nгo deveria conversar com mulheres
vestidas de preto, porque eram mulheres casadas. Ele tinha que respeitar a
Tradiзгo.
O Inglкs ficou decepcionadнssimo. Tinha feito toda a sua viagem por
nada. O rapaz tambйm ficou triste; seu companheiro tambйm estava em busca de
sua Lenda Pessoal. E quando alguйm faz isto, o Universo todo se esforзa para
que a pessoa consiga o que deseja, dissera o velho rei. Ele nгo podia estar
enganado.
ґ Eu nunca tinha ouvido falar antes de alquimistas ґ disse o rapaz. ґ
Senгo tentaria ajudб-lo.
Alguma coisa brilhou nos olhos do Inglкs.
ґ Й isto! Talvez ninguйm aqui saiba o que й um alquimista! Pergunte
pelo homem que cura todas as doenзas da aldeia!
Vбrias mulheres vestidas de preto vieram buscar бgua no poзo, e o rapaz
nгo conversou com elas, por mais que o Inglкs insistisse. Atй que um homem
se aproximou.
ґ Conhece alguйm que cura as doenзas da aldeia? ґ perguntou o rapaz.
ґ Allah cura todas as doenзas, ґ disse o homem, visivelmente apavorado
com os estrangeiros. ґ Vocкs estгo em busca de bruxos.
E depois de dizer alguns versнculos do Alcorгo, seguiu seu caminho.
Um outro homem se aproximou. Era mais velho, e trazia apenas um pequeno
balde. O rapaz repetiu a pergunta.
ґ Por que vocкs querem conhecer este tipo de homem? ґ respondeu o бrabe
com outra pergunta.
ґ Porque meu amigo viajou muitos meses para encontrб-lo ґ disse o
rapaz.
ґ Se este homem existe no oбsis, deve ser muito poderoso ґ disse o
velho, depois de pensar por alguns instantes. ґ Nem os chefes tribais
conseguiriam vк-lo quando precisam. Sу quando ele assim determinasse.


"Esperem o final da guerra. E entгo partam com a caravana. Nгo procurem
entrar na vida do oбsis", concluiu, se afastando.
Mas o Inglкs ficou exultante. Estavam na pista certa.
Finalmente surgiu uma moзa que nгo estava vestida de negro. Trazia um
cвntaro no ombro, e a cabeзa coberta com um vйu, mas tinha o rosto
descoberto. O rapaz aproximou-se para perguntar sobre o Alquimista.

Entгo foi como se o tempo parasse, e a Alma do Mundo surgisse com toda
a forзa diante do rapaz. Quando ele olhou seus olhos negros, seus lбbios
indecisos entre um sorriso e o silкncio, ele entendeu a parte mais
importante e mais sбbia da Linguagem que o mundo falava, e que todas as
pessoas da terra eram capazes de entender em seus coraзхes. E isto era
chamado de Amor, uma coisa mais antiga que os homens e que o prуprio
deserto, e que no entanto ressurgia sempre com a mesma forзa onde quer que
dois pares de olhos se cruzassem como se cruzaram aqueles dois pares de
olhos diante de um poзo. Os lбbios finalmente resolveram dar um sorriso, e
aquilo era um sinal, o sinal que ele esperou sem saber durante tanto tempo
em sua vida, que tinha buscado nas ovelhas e nos livros, nos cristais e no
silкncio do deserto.
Ali estava a pura linguagem do mundo, sem explicaзхes, porque o
Universo nгo precisava de explicaзхes para continuar seu caminho no espaзo
sem fim. Tudo o que o rapaz entendia naquele momento era que estava diante
da mulher de sua vida, e sem nenhuma necessidade de palavras, ela devia
saber disto tambйm. Tinha mais certeza disto do que de qualquer coisa no
mundo, mesmo que seus pais, e os pais de seus pais dissessem que era preciso
namorar, noivar, conhecer a pessoa e ter dinheiro antes de se casar. Quem
dizia isto talvez jamais tivesse conhecido a linguagem universal, porque
quando se mergulha nela, й fбcil entender que sempre existe no mundo uma
pessoa que espera a outra, seja no meio de um deserto, seja no meio das
grandes cidades. E quando estas pessoas se cruzam, e seus olhos se
encontram, todo o passado e todo o futuro perde qualquer importвncia, e sу
existe aquele momento, e aquela certeza incrнvel de que todas as coisas
debaixo do sol foram escritas pela mesma Mгo. A Mгo que desperta o Amor, e
que fez uma alma gкmea para cada pessoa que trabalha, descansa e busca
tesouros debaixo do sol. Porque sem isto nгo haveria qualquer sentido para
os sonhos da raзa humana.
"Maktub", pensou o rapaz.

O Inglкs levantou-se de onde estava sentado e sacudiu o rapaz.
ґ Vamos, pergunte a ela!
O rapaz se aproximou da moзa. Ela tornou a sorrir. Ele sorriu tambйm.
ґ Como vocк se chama? ґ perguntou.
ґ Me chamo Fбtima ґ disse a moзa, olhando para o chгo.
ґ Й um nome que algumas mulheres tem na terra de onde venho.
ґ Й o nome da filha do Profeta ґ disse Fбtima. ґ Os guerreiros os
levaram para lб.
A moзa delicada falava de guerreiros com orgulho. Ao seu lado o Inglкs
insistia, e o rapaz perguntou pelo homem que curava todas as doenзas.
ґ Й um homem que conhece os segredos do mundo. Conversa com os djins do
deserto ґ ela falou.
Os djins eram os demфnios. E a moзa apontou para o sul, para o lugar
onde aquele estranho homem morava.


Depois encheu seu cвntaro e partiu. O Inglкs partiu tambйm, em busca do
Alquimista. E o rapaz ficou por muito tempo sentado ao lado do poзo,
entendendo que algum dia o Levante havia deixado em seu rosto o perfume
daquela mulher, e que jб a amava antes mesmo de saber que ela existia, e que
seu amor por ela faria com que encontrasse todos os tesouros do mundo.






No dia seguinte o rapaz voltou para o poзo, para esperar a moзa. Para
sua surpresa, encontrou lб o Inglкs, olhando pela primeira vez o deserto.
ґ Esperei a tarde e a noite ґ disse o Inglкs. ґ Ele chegou junto com as
primeiras estrelas. Eu lhe contei o que estava procurando. Entгo ele me
perguntou se jб havia transformado chumbo em ouro. Eu disse que era isto que
queria aprender.
"Ele me mandou tentar. Foi tudo que me disse: vб tentar".
O rapaz ficou quieto. O Inglкs havia viajado tanto para ouvir o que jб
sabia. Aн ele se lembrou de que tinha dado seis ovelhas ao velho rei pela
mesma razгo.
ґ Entгo tente ґ disse para o Inglкs.
ґ Й isto que vou fazer. E vou comeзar agora.
Pouco depois que o Inglкs saiu, Fбtima chegou para apanhar бgua com seu
cвntaro.
ґ Vim dizer-lhe uma coisa simples ґ falou o rapaz. ґ Eu quero que vocк
seja minha mulher. Eu te amo.
A moзa deixou que seu cвntaro derramasse a бgua.
ґ Vou esperб-la todos os dias aqui. Cruzei o deserto em busca de um
tesouro que se encontra perto das pirвmides. A guerra foi para mim uma
maldiзгo. Agora ela й uma bкnзгo, porque me deixa perto de vocк.
ґ A guerra um dia vai acabar ґ disse a moзa.
O rapaz olhou as tamareiras do oбsis. Havia sido pastor. E ali existiam
muitas ovelhas. Fбtima era mais importante que o tesouro.
ґ Os guerreiros buscam seus tesouros ґ disse a moзa, como se estivesse
adivinhando o pensamento do rapaz. ґ E as mulheres do deserto tкm orgulho
dos seus guerreiros.
Depois tornou a encher seu cвntaro, e foi embora.

Todos os dias o rapaz ia para o poзo esperar Fбtima. Contou-lhe de sua
vida de pastor, do rei, da loja de cristais. Ficaram amigos, e com exceзгo
quinze minutos que passava com ela, o resto do dia custava infinitamente a
passar. Quando jб estava hб quase um mкs no oбsis, o Lнder da Caravana
convocou a todos para uma reuniгo.
ґ Nгo sabemos quando a guerra vai acabar, e nгo podemos seguir viagem ґ
disse.
ґ Os combates devem durar por muito tempo, talvez muitos anos. Existem
guerreiros fortes e valentes de ambos os lados, e existe a honra de combater
em ambos os exйrcitos. Nгo й uma guerra entre bons e maus. Й uma guerra
entre forзas que lutam pelo mesmo poder, e quando este tipo de batalha
comeзa, demora mais que as outras ґ porque Allah estб dos dois lados.
As pessoas se dispersaram. O rapaz tornou a encontrar-se com Fбtima
aquela tarde, e contou da reuniгo.
ґ No segundo dia que nos encontramos ґ disse Fбtima ґ vocк me falou do
seu amor. Depois me ensinou coisas belas, como a Linguagem e a Alma do
Mundo. Tudo isto me faz aos poucos ser parte de vocк.
O rapaz ouvia sua voz, e achava mais bela que o barulho do vento nas
folhas das tamareiras.


ґ Faz muito tempo, que estive aqui neste poзo esperando por vocк. Nгo
consigo me lembrar do meu passado, da Tradiзгo, da maneira que os homens
esperam que se comportem as mulheres do deserto. Desde crianзa eu sonhava
que o deserto ia me trazer o maior presente de minha vida. Este presente
chegou afinal, e й vocк.
O rapaz pensou em tocar sua mгo. Mas Fбtima segurava as alзas do
cвntaro.
ґ Vocк me falou dos seus sonhos, do velho rei, e do tesouro. Vocк me
falou dos sinais. Entгo nгo tenho medo de nada, porque foram estes sinais
que me trouxeram vocк. E eu sou parte do seu sonho, da sua Lenda Pessoal,
como vocк costuma chamar.
"Por isso quero que siga em direзгo ao que veio buscar. Se tiver que
esperar o final da guerra, muito bem. Mas se tiver que seguir antes, vб em
direзгo а sua lenda. As dunas mudam com o vento, mas o deserto permanece no
mesmo. Assim serб com nosso amor.
"Maktub" ґ disse. "Se eu for parte de sua Lenda, vocк voltarб um dia".

O rapaz saiu triste do encontro com Fбtima. Ele se lembrava de muita
gente que havia conhecido. Os pastores casados tinham muita dificuldade em
convencer suas esposas de que precisavam andar pelos campos. O amor exigia
estar junto da pessoa amada.
No dia seguinte ele contou tudo isto а Fбtima.
ґ O deserto leva nossos homens e nem sempre os traz de volta ґ disse
ela. ґ Entгo nos acostumamos com isto. E eles passam a existir nas nuvens
sem chuva, nos animais que se escondem entre as pedras, na бgua que sai
generosa da terra. Eles passam a fazer parte de tudo, passam a ser a Alma do
Mundo.
"Alguns retornam. E entгo todas as outras mulheres ficam felizes,
porque os homens que elas esperam tambйm podem voltar um dia. Antes eu
olhava estas mulheres, e invejava sua felicidade. Agora vou ter tambйm uma
pessoa para esperar.
"Sou uma mulher do deserto e me orgulho disto. Quero que meu homem
tambйm caminhe livre como o vento que move as dunas. Quero tambйm poder ver
meu homem nas nuvens, nos animais e na бgua."

O rapaz foi procurar o Inglкs. Queria contar-lhe sobre Fбtima. Ficou
surpreso quando viu que o Inglкs havia construнdo um pequeno forno ao lado
de sua tenda. Era um forno estranho, com um frasco transparente em cima. O
Inglкs alimentava o fogo com lenha, e olhava o deserto. Seus olhos pareciam
ter mais brilho quando passava o tempo todo lendo livros.
ґ Esta й a primeira fase do trabalho ґ disse o Inglкs. ґ Tenho que
separar o enxofre impuro. Para isto, nao posso ter medo de falhar. O meu
medo de falhar foi que me impediu de tentar a Grande Obra atй hoje. Й agora
que estou comeзando o que podia ter comeзado hб dez anos atrбs. Mas me sinto
feliz de nгo ter esperado vinte anos para isto.
E continuou a alimentar o fogo e a olhar o deserto. O rapaz ficou ao
seu lado por algum tempo, atй que o deserto comeзou a ficar rosado com a luz
do entardecer. Entгo ele sentiu uma imensa vontade de ir atй lб, para ver se
o silкncio conseguia responder suas perguntas.
Caminhou sem destino por algum tempo, mantendo as tamareiras do oбsis
ao alcance de seus olhos. Escutava o vento, e sentia as pedras sob seus pйs.
Аs vezes encontrava alguma concha, e sabia que aquele deserto, num tempo
remoto, havia sido um grande mar. Depois sentou-se numa pedra e deixou-se
hipnotizar pelo horizonte que existia


na sua frente. Nгo conseguia entender o Amor sem o sentimento de posse;