"Uma busca comeзa sempre com a Sorte de Principiante. E termina sempre
com a Prova do Conquistador".
O rapaz lembrou-se de um velho provйrbio de sua terra. Dizia que a hora
mais escura era a que vinha antes do sol nascer.




No dia seguinte apareceu o primeiro sinal concreto de perigo. Trкs
guerreiros se aproximaram e perguntaram o que os dois estavam fazendo por
ali.
ґ Vim caзar com o meu falcгo ґ respondeu o Alquimista.
ґ Precisamos revistб-los para ver se nгo levam armas ґ disse um dos
guerreiros.
O Alquimista desceu devagar de seu cavalo. O rapaz fez o mesmo.
ґ Para quк tanto dinheiro? ґ perguntou o guerreiro, quando viu a bolsa
do rapaz.
ґ Para chegar ao Egito ґ disse ele.
O guarda que estava revistando o Alquimista encontrou um pequeno frasco
de cristal cheio de lнquido, e um ovo de vidro amarelado, pouco maior que o
ovo de uma galinha.
ґ Que sгo estas coisas? ґ perguntou o guarda.
ґ Й a Pedra Filosofal e o Elixir da Longa Vida. Й a grande obra dos
Alquimistas. Quem tomar este elixir jamais ficarб doente, e uma lasca desta
pedra transforma qualquer metal em ouro.
Os guardas riram pra valer, e o Alquimista riu com eles. Tinham achado
a resposta muito engraзada, e os deixaram partir sem maiores contratempos,
com todos os seus pertences.
ґ Vocк estб louco? ґ perguntou o rapaz ao Alquimista, quando jб haviam
se distanciado bastante. ґ Para que vocк fez isto?
ґ Para mostrar a vocк uma simples lei do mundo ґ respondeu o
Alquimista. ґ Quando temos os grandes tesouros diante de nуs, nunca
percebemos. E sabe por quк? Porque os homens nгo acreditam em tesouros.
Continuaram andando pelo deserto. A cada dia que passava, o coraзгo do
rapaz ia ficando mais silencioso. Jб nгo queria saber das coisas passadas ou
das coisas futuras; contentava-se em contemplar tambйm o deserto, e beber
junto com o rapaz da Alma do Mundo. Ele e seu coraзгo tornaram-se grandes
amigos ґ um passou a ser incapaz de trair o outro.
Quando o coraзгo falava, era para dar estнmulo e forзa ao rapaz, que аs
vezes achava terrivelmente maзante os dias de silкncio. O coraзгo contou-lhe
pela primeira vez suas grandes qualidades: sua coragem ao abandonar as
ovelhas, ao viver sua Lenda Pessoal, e seu entusiasmo na loja de cristais.
Contou-lhe tambйm mais uma coisa, que o rapaz nunca havia notado: os
perigos que passaram perto e que ele nunca tinha percebido. Seu coraзгo
disse que certa vez havia escondido a pistola que ele havia roubado do pai,
pois havia uma grande chance de que se ferisse com ela. E lembrou um dia que
o rapaz havia passado mal em pleno campo, vomitado, e depois dormido por
muito tempo: haviam dois assaltantes mais adiante, que estavam planejando
roubar suas ovelhas, e assassinб-lo. Mas como o rapaz nгo aparecia,
resolveram ir embora, achando que ele tinha mudado de rota.
ґ Os coraзхes sempre ajudam os homens? ґ perguntou o rapaz ao
Alquimista.
ґ Sу os que vivem sua Lenda Pessoal. Mas ajudam muito as crianзas, os
bкbados, e os velhos.
ґ Quer dizer entгo que nгo hб perigo?


ґ Quer dizer apenas que os coraзхes se esforзam ao mбximo ґ respondeu o
Alquimista.
Certa tarde passaram pelo acampamento de um dos clгs. Haviam бrabes em
vistosas roupas brancas, com armas ensilhadas em todos os cantos. Os homens
fumavam narguilй e conversavam sobre os combates. Ninguйm prestou maior
atenзгo aos dois viajantes.
ґ Nгo hб qualquer perigo ґ disse o rapaz, quando jб tinham se afastado
um pouco do acampamento.
O Alquimista ficou furioso.
ґ Confie em seu coraзгo ґ disse, mas nгo se esqueзa de que vocк estб no
deserto. Quando os homens estгo em guerra, a Alma do Mundo tambйm sente os
gritos de combate. Ninguйm deixa de sofrer as conseqькncias de cada coisa
que se passa debaixo do sol.
"Tudo й uma coisa ъnica", pensou o rapaz.
E como se o deserto quisesse mostrar que o velho Alquimista estava
certo, dois cavaleiros surgiram por detrбs dos viajantes.
ґ Nгo podem seguir adiante ґ disse um deles. ґ Vocкs estгo nas areias
onde os combates sгo travados.
ґ Nгo vou muito longe ґ respondeu o Alquimista, olhando fundo nos olhos
dos guerreiros. Eles ficaram quietos por alguns minutos, e depois
concordaram com a viagem dos dois.
O rapaz assistiu aquilo tudo fascinado.
ґ Vocк dominou os guardas com o olhar ґ comentou ele.
ґ Os olhos mostram a forзa da alma ґ respondeu o Alquimista.
Era verdade, pensou o rapaz. Havia percebido que, no meio da multidгo
de soldados no acampamento, um deles estava olhando fixo para os dois. E
estava tгo distante, que nгo dava sequer para ver direito sua face. Mas o
rapaz tinha certeza de que estava olhando para eles.
Finalmente, quando comeзaram a cruzar uma montanha que se estendia por
todo o horizonte, o Alquimista disse que faltavam dois dias para chegarem
atй аs Pirвmides.
ґ Se vamos nos separar logo ґ respondeu o rapaz ґ me ensine Alquimia.
ґ Vocк jб sabe. Й penetrar na Alma do Mundo, e descobrir o tesouro que
ela reservou para nуs.
ґ Nгo й isto que quero saber. Falo de transformar chumbo em ouro.
O Alquimista respeitou o silкncio do deserto, e sу respondeu ao rapaz
quando pararam para comer.
ґ Tudo no Universo evolui ґ disse ele. ґ E para os sбbios, o ouro й o
metal mais evoluнdo. Nгo pergunte porquк; nгo sei. Sei apenas que a Tradiзгo
estб sempre certa.
"Os homens й que nгo interpretaram bem as palavras dos sбbios. E ao
invйs de sнmbolo de evoluзгo, o ouro passou a ser o sinal das guerras.
ґ As coisas falam muitas linguagens ґ disse o rapaz. ґ Vi quando o
relincho de camelo era apenas um relincho, depois passou a ser sinal de
perigo, e finalmente tornou- se de novo um relincho.
Mas calou-se. O Alquimista devia saber tudo aquilo.
ґ Conheci verdadeiros alquimistas ґ continuou. ґ Se trancavam no
laboratуrio e tentavam evoluir como o ouro; descobriam a Pedra Filosofal.
Porque haviam entendido que quando uma coisa evolui, evolui tambйm tudo que
estб a sua volta.


"Outros conseguiram a pedra por acidente. Jб tinham o dom, suas almas
estavam mais despertas que a das outras pessoas. Mas estes nгo contam,
porque sгo raros.
"Outros, enfim, buscavam apenas o ouro. Estes jamais descobriram o
segredo. Esqueceram-se de que o chumbo, o cobre, o ferro, tambйm tкm sua
Lenda Pessoal para cumprir. Quem interfere na Lenda Pessoal dos outros,
nunca descobrirб a sua".
As palavras do Alquimista soaram como uma maldiзгo. Ele abaixou-se e
pegou uma concha no solo do deserto.
ґ Isto um dia jб foi um mar ґ disse.
ґ Jб tinha reparado ґ respondeu o rapaz. O Alquimista pediu ao rapaz
para colocar a concha no ouvido. Ele tinha feito isto muitas vezes quando
era crianзa, e escutou o barulho do mar.
ґ O mar continua dentro desta concha, porque й sua Lenda Pessoal. E
jamais a abandonarб, atй que o deserto se cubra novamente de бgua.
Depois montaram em seus cavalos, e seguiram em direзгo аs Pirвmides do
Egito.




O sol tinha comeзado a descer quando o coraзгo do rapaz deu sinal de
perigo. Estavam no meio de gigantescas dunas, e o rapaz olhou o Alquimista,
mas este parecia nгo haver notado nada. Cinco minutos depois o rapaz
percebeu dois cavaleiros a sua frente, as silhuetas cortadas contra o sol.
Antes que pudesse falar com o Alquimista, os dois cavaleiros se
transformaram em dez, depois em cem, atй que as gigantescas dunas ficaram
cobertas deles.
Eram guerreiros vestidos de azul, com uma tiara negra sobre o turbante.
Os rostos estavam cobertos por outro vйu azul, deixando apenas os olhos de
fora.
Mesmo distante, os olhos mostravam a forзa de suas almas. E os olhos
falavam em morte.


Levaram os dois para um acampamento militar nas imediaзхes. Um soldado
empurrou o rapaz e o Alquimista para dentro de uma tenda. Era uma tenda
diferente das que havia conhecido no oбsis; ali estava um comandante reunido
com seu estado-maior.
ґ Sгo os espiхes ґ disse um dos homens.
ґ Somos apenas viajantes ґ respondeu o Alquimista.
ґ Vocкs foram vistos no acampamento inimigo hб trкs dias atrбs. E
conversaram com um dos guerreiros.
ґ Sou um homem que caminha pelo deserto e conhece as estrelas ґ disse o
Alquimista. Nгo tenho informaзхes de tropas, ou o movimento dos clгs. Apenas
guiava meu amigo atй aqui.
ґ Quem й seu amigo? perguntou o comandante.
ґ Um Alquimista ґ disse o Alquimista. ґ Conhece os poderes da natureza.
E deseja mostrar ao comandante sua capacidade extraordinбria.
O rapaz ouvia em silкncio. E com medo.
ґ O que faz um estrangeiro numa terra estrangeira? ґ disse outro homem.


ґ Trouxe dinheiro para oferecer a seu clг ґ respondeu o Alquimista,
antes que o rapaz dissesse qualquer palavra. E pegando a bolsa do rapaz,
entregou as moedas de ouro ao general.
O бrabe aceitou em silкncio. Dava para comprar muitas armas.
ґ O que й um Alquimista? ґ perguntou, finalmente.
ґ Um homem que conhece a natureza e o mundo. Se ele quisesse, destruнa
este acampamento apenas com a forзa do vento.
Os homens riram. Estavam acostumados com a forзa da guerra, e o vento
nгo detйm um golpe mortal. Dentro do peito de cada um, porйm, seus coraзхes
apertaram. Eram homens do deserto e tinham medo dos feiticeiros.
ґ Quero ver ґ disse o general.
ґ Precisamos de trкs dias ґ respondeu o Alquimista. ґ E ele vai se
transformar em vento, apenas para mostrar a forзa de seu poder. Se nгo
conseguir, nуs lhe oferecemos humildemente nossas vidas, pela honra de seu
clг.
ґ Nгo pode me oferecer o que jб й meu ґ disse, arrogante, o general.
Mas concedeu os trкs dias aos viajantes.

O rapaz estava paralisado de terror. Saiu da tenda porque o Alquimista
lhe segurou os braзos.
ґ Nгo deixe que eles percebam seu medo ґ disse o Alquimista. ґ Sгo
homens corajosos, e desprezam os covardes.
O rapaz, porйm, estava sem voz. Sу conseguiu falar depois de algum
tempo, enquanto caminhavam pelo meio do acampamento. Nгo havia necessidade
de prisгo: os бrabes apenas tiraram seus cavalos. E mais uma vez o mundo
mostrou suas muitas linguagens: o deserto, antes um terreno livre e sem fim,
era agora uma muralha intransponнvel.
ґ Vocк deu todo o meu tesouro! ґ disse o rapaz. ґ Tudo que eu ganhei em
toda a minha vida!
ґ E para que lhe adiantaria isto, se tivesse que morrer? ґ respondeu, o
Alquimista. ґ Seu dinheiro o salvou por trкs dias. Poucas vezes o dinheiro
serve para adiar a morte.
Mas o rapaz estava apavorado demais para ouvir palavras sбbias. Nгo
sabia como transformar-se em vento. Nгo era um Alquimista.
O Alquimista pediu chб a um guerreiro, e colocou um pouco nos pulsos do
rapaz. Uma onda de tranqьilidade encheu seu corpo, enquanto o Alquimista
dizia algumas palavras que ele nгo conseguia compreender.
ґ Nгo se entregue ao desespero ґ disse o Alquimista, com uma voz
estranhamente doce. ґ Isto faz com que vocк nгo consiga conversar com seu
coraзгo.
ґ Mas eu nгo sei transformar-me em vento.
ґ Quem vive sua Lenda Pessoal, sabe tudo que precisa saber. Sу uma
coisa torna um sonho impossнvel: o medo de fracassar.
ґ Nгo tenho medo de fracassar. Apenas nгo sei transformar-me em vento.
ґ Pois terб que aprender. Sua vida depende disto.
ґ E se eu nгo conseguir?
ґ Vai morrer enquanto vivia sua Lenda Pessoal. Й muito melhor do que
morrer como milhхes de pessoas, que jamais souberam que a Lenda Pessoal
existia.


"Entretanto, nгo se preocupe. Geralmente a morte faz com que as pessoas
fiquem mais sensнveis а vida."



O primeiro dia se passou. Houve uma grande batalha nas imediaзхes, e
vбrios feridos foram trazidos para o acampamento militar. "Nada muda com a
morte", pensava o rapaz. Os guerreiros que morriam eram substituнdos por
outros, e a vida continuava.
ґ Poderias ter morrido mais tarde, meu amigo ґ disse o guarda para o
corpo de um companheiro seu. ґ Poderias ter morrido quando chegasse a paz.
Mas irias terminar morrendo de qualquer jeito.
No final do dia, o rapaz foi procurar o Alquimista. Estava levando o
falcгo para o deserto.
ґ Nгo sei transformar-me em vento ґ repetiu o rapaz.
ґ Lembre-se do que eu lhe disse: de que o mundo й apenas a parte
visнvel de Deus. De que a Alquimia й trazer para o plano material a
perfeiзгo espiritual.
ґ O que vocк faz?
ґ Alimento meu falcгo.
ґ Se eu nгo conseguir transformar-me em vento, nуs vamos morrer ґ disse
o rapaz. ґ Para que alimentar o falcгo?
ґ Quem vai morrer й vocк ґ disse o Alquimista. ґ Eu sei transformar-me
em vento.




No segundo dia o rapaz foi para o alto de uma rocha que ficava perto do
acampamento. As sentinelas o deixaram passar; jб ouviram falar do bruxo que
se transformava em vento, e nгo queriam chegar perto dele. Alйm disso, o
deserto era uma grande e intransponнvel muralha.
Ficou o resto da tarde do segundo dia olhando o deserto. Escutou seu
coraзгo. E o deserto escutou seu medo.
Ambos falavam a mesma lнngua.




No terceiro dia o general reuniu-se com os principais comandantes.
ґ Vamos ver o garoto que se transforma em vento ґ disse o General ao
Alquimista.
ґ Vamos ver ґ respondeu o Alquimista.
O rapaz os conduziu atй o lugar onde havia estado no dia anterior.
Entгo pediu que todos se sentassem.
ґ Vai demorar um pouco ґ disse o rapaz.
ґ Nгo temos pressa ґ respondeu o General. ґ Somos homens do deserto.


O rapaz comeзou a olhar o horizonte a sua frente. Haviam montanhas ao
longe, haviam dunas, rochas e plantas rasteiras que insistiam em viver onde
a sobrevivкncia era impossнvel. Ali estava o deserto, que ele havia
percorrido durante tantos meses, e que, mesmo assim, sу conhecia uma parte
muito pequena. Nesta pequena parte ele havia encontrado ingleses, caravanas,
guerras de clгs, e um oбsis com cinqьenta mil tamareiras e trezentos poзos.
ґ O que vocк quer aqui hoje? ґ perguntou o deserto. ґ Jб nгo nos
contemplamos o suficiente ontem?
ґ Em algum ponto vocк guarda a pessoa que eu amo ґ disse o rapaz. ґ
Entгo, quando olho suas areias contemplo tambйm a ela. Quero voltar a ela e
preciso de sua ajuda para transformar-me em vento.
ґ O que й o amor? ґ perguntou o deserto.
ґ O amor й quando o falcгo voa sobre suas areias. Porque para ele vocк
й um campo verde, e ele nunca voltou sem caзa. Ele conhece suas rochas, suas
dunas, e suas montanhas, e vocк й generoso com ele.
ґ O bico do falcгo tira pedaзos de mim ґ disse o deserto. ґ Durante
anos eu cultivo sua caзa, alimento com a pouca бgua que tenho, mostro onde
estб a comida. E um dia, desce o falcгo do cйu, justamente quando eu ia
sentir o carinho da caзa sobre minhas areias. Ele carrega aquilo que eu
criei.
ґ Mas foi para isto que vocк criou a caзa ґ respondeu o rapaz. ґ Para
alimentar o falcгo. E o falcгo alimentarб o homem. E o homem entгo
alimentarб um dia tuas areias, de onde a caзa tornarб a surgir. Assim
move-se o mundo.
ґ Й isto o amor?
ґ Й isto o amor. Й o que faz a caзa transformar-se em falcгo, o falcгo
em homem, e o homem de novo em deserto. Й isto que faz o chumbo
transformar-se em ouro; e o ouro voltar a esconder-se sob a terra.
ґ Nгo entendo suas palavras ґ disse o deserto.
ґ Entгo entenda que em algum lugar de suas areias, uma mulher me
espera. E para isto, tenho que transformar-me em vento.
O deserto ficou em silкncio por alguns instantes.
ґ Eu lhe dou minhas areias para que o vento possa soprar. Mas sozinho,
nгo posso fazer nada. Peзa ajuda ao vento.

Uma pequena brisa comeзou a soprar. Os comandantes olhavam o rapaz ao
longe, falando uma linguagem que eles nгo conheciam.


O Alquimista sorria.

O vento chegou perto do rapaz e tocou seu rosto. Havia escutado sua
conversa com o deserto, porque os ventos sempre conhecem tudo. Percorriam o
mundo sem um lugar onde nascer e sem um lugar onde morrer.
ґ Me ajude ґ disse o rapaz ao vento. ґ Certo dia escutei em vocк a voz
da minha amada.
ґ Quem lhe ensinou a falar a linguagem do deserto e do vento?
ґ Meu coraзгo ґ respondeu o rapaz.
O vento tinha muitos nomes. Ali ele era chamado de siroco, porque os
бrabes acreditavam que ele vinha das terras cobertas de бgua, onde habitavam
homens negros. Na terra distante de onde vinha o rapaz, eles o chamavam de
Levante, porque acreditavam que trazia as areias do deserto e os gritos de
guerra dos mouros. Talvez num lugar mais distante dos campos de ovelhas, os
homens pensassem que o vento nascia em Andaluzia. Mas o vento nгo vinha de
lugar nenhum, e nгo ia para lugar nenhum, e por isso era mais forte que o
deserto. Um dia eles poderiam plantar бrvores no deserto, e atй mesmo criar
ovelhas, mas jamais iriam conseguir dominar o vento.
ґ Vocк nгo pode ser o vento ґ disse o vento. ґ Somos de naturezas
diferentes.
ґ Nгo й verdade ґ disse o rapaz. ґ Conheci os segredos da Alquimia,
enquanto vagava o mundo com vocк. Tenho em mim os ventos, os desertos, os
oceanos, as estrelas, e tudo que foi criado no Universo. Fomos feitos pela
mesma Mгo, e temos a mesma Alma. Quero ser como vocк, penetrar em todos os
cantos, atravessar os mares, tirar a areia que cobre meu tesouro, trazer
para perto a voz de minha amada.
ґ Ouvi sua conversa com o Alquimista outro dia ґ disse o vento. ґ Ele
falou que cada coisa tem sua Lenda Pessoal. As pessoas nгo podem se
transformar em vento.
ґ Me ensine a ser vento por alguns instantes, ґ disse o rapaz. ґ Para
que possamos conversar sobre as possibilidades ilimitadas dos homens e dos
ventos.
O vento era curioso, e aquilo era uma coisa que ele nгo conhecia.
Gostaria de conversar sobre aquele assunto, mas nгo sabia como transformar
homens em vento. E olha que ele conhecia tanta coisa! Construнa desertos,
afundava navios, derrubava florestas inteiras, e passeava por cidades cheias
de mъsica e de ruнdos estranhos. Achava que era ilimitado, e no entanto ali
estava um rapaz dizendo que ainda havia mais coisas que um vento podia
fazer.
ґ Й isto que chamam de Amor ґ disse o rapaz, ao ver que o vento estava
quase cedendo ao seu pedido. ґ Quando se ama й que se consegue ser qualquer
coisa da Criaзгo. Quando se ama nгo temos necessidade nenhuma de entender o
que acontece, porque tudo passa a acontecer dentro de nуs, e os homens podem
se transformar em vento. Desde que os ventos ajudem, й claro.
O vento era muito orgulhoso, e ficou irritado com o que o rapaz dizia.
Comeзou a soprar com mais velocidade, levantando as areias do deserto. Mas
finalmente teve que reconhecer que, mesmo havendo percorrido o mundo
inteiro, nгo sabia como transformar homens em ventos. E nгo conhecia o Amor.
ґ Enquanto passeava pelo mundo, notei que muitas pessoas falavam de
amor olhando para o cйu ґ disse o vento, furioso por ter que aceitar suas
limitaзхes. ґ Talvez seja melhor perguntar ao cйu.


ґ Entгo me ajude ґ disse o rapaz. ґ Encha este lugar de poeira, para
que eu possa olhar o sol sem ficar cego.
O vento entгo soprou com muita forзa, e o cйu ficou cheio de areia,
deixando apenas um disco dourado no lugar do sol.



No acampamento estava ficando difнcil de enxergar. Os homens do deserto
jб conheciam aquele vento. Chamava-se Simum, e era pior que uma tempestade
no mar ґ porque eles nгo conheciam o mar. Os cavalos relinchavam, e as armas
comeзaram a ficar cobertas de areia.
No rochedo, um dos comandantes virou-se para o general, e disse:
ґ Talvez seja melhor pararmos com isto. Eles jб quase nгo podiam
enxergar o rapaz. Os rostos estavam cobertos pelos lenзos azuis, e os olhos
agora significavam apenas espanto.
ґ Vamos parar com isto ґ insistiu outro comandante.
ґ Quero ver a grandeza de Allah ґ disse com respeito o general. Quero
ver como os homens se transformam em vento.
Mas anotou mentalmente o nome dos dois homens que haviam tido medo.
Assim que o vento parasse, ia destituн-los de seus comandos, porque os
homens do deserto nгo sentem medo.




O vento me disse que vocк conhece o Amor ґ disse o rapaz ao Sol. ґ Se
vocк conhece o Amor, conhece tambйm a Alma do Mundo, que й feita de Amor.
ґ Daqui de onde estou ґ disse o sol ґ posso ver a Alma do Mundo. Ela se
comunica com minha alma, e nуs, juntos, fazemos as plantas crescerem e as
ovelhas caminharem em busca de sombra. Daqui de onde estou ґ e estou muito
longe do mundo ґ aprendi a amar. Sei que, se eu me aproximar um pouco mais
da Terra, tudo que estб nela morrerб, e a Alma do Mundo deixarб de existir.
Entгo nos contemplamos e nos queremos, e eu lhe dou vida e calor, e ela me
dб uma razгo para viver.
ґ Vocк conhece o Amor ґ disse o rapaz.
ґ E conheзo a Alma do Mundo, porque conversamos muito nesta viagem sem
fim pelo Universo. Ela me fala que seu maior problema й que atй hoje, sу os
minerais e os vegetais entenderam que tudo й uma coisa sу. E para isto, nгo
precisa que o ferro seja igual ao cobre, e que o cobre seja igual ao ouro.
Cada um cumpre sua funзгo exata nesta coisa ъnica, e tudo seria uma Sinfonia
de Paz se a Mгo que escreveu tudo isto tivesse parado no quinto dia da
criaзгo.
"Mas houve um sexto dia", disse o Sol.
ґ Vocк й sбbio porque vк tudo а distвncia ґ respondeu o rapaz. ґ Mas
nгo conhece o Amor. Se nгo houvesse um sexto dia da criaзгo, nгo haveria o
homem, e o cobre seria sempre cobre, e o chumbo seria sempre chumbo. Cada um
tem sua Lenda Pessoal, й verdade, mas um dia esta Lenda Pessoal serб
cumprida. Entгo й preciso transformar-se em algo melhor, e ter uma nova
Lenda Pessoal, atй que a Alma do Mundo seja realmente uma coisa sу.


O sol ficou pensativo e resolveu brilhar mais forte. O vento, que
estava gostando da conversa, soprou tambйm mais forte, para que o sol nгo
cegasse o rapaz.
ґ Para isto existe a Alquimia ґ disse o rapaz. ґ Para que cada homem
busque seu tesouro, e o encontre, e depois queira ser melhor do que foi na
sua vida anterior. O chumbo cumprirб seu papel atй que o mundo nгo precise
mais de chumbo; entгo ele terб que transformar-se em ouro.
"Os Alquimistas fazem isto. Mostram que, quando buscamos ser melhores
do que somos, tudo em volta se torna melhor tambйm".
ґ E por que vocк diz que eu nгo conheзo o Amor? ґ perguntou o Sol.
ґ Porque o amor nгo й estar parado como o deserto, nem correr o mundo
como o vento, nem ver tudo de longe, como vocк. O Amor й a forзa que
transforma e melhora a Alma do Mundo. Quando penetrei nela pela primeira
vez, achei que fosse perfeita. Mas depois vi que ela era um reflexo de todas
as criaturas, e tinha suas guerras e suas paixхes. Somos nуs que alimentamos
a Alma do Mundo, e a terra onde vivemos serб melhor ou pior, se formos
melhores ou piores. Aн й que entra a forзa do Amor, porque quando amamos,
sempre desejamos ser melhores do que somos.
ґ O que vocк quer de mim? ґ perguntou o Sol.
ґ Que me ajude a transformar-me em vento ґ respondeu o rapaz.
ґ A Natureza me conhece como a mais sбbia de todas as criaturas ґ disse
o Sol. ґ Mas nгo sei como transformб-lo em vento.
ґ Com quem devo falar, entгo?
Por um momento o sol ficou quieto. O vento estava ouvindo, e ia
espalhar por todo o mundo que sua sabedoria era limitada. Entretanto, nгo
tinha jeito de fugir daquele rapaz, que falava a Linguagem do Mundo.
ґ Converse com a Mгo que escreveu tudo ґ disse o Sol.

O vento gritou de contentamento, e soprou com mais forзa do que nunca.
As tendas comeзaram a ser arrancadas da areia, e os animais soltaram-se de
suas rйdeas. No rochedo, os homens se agarravam uns aos outros para nгo
serem atirados longe.

O rapaz se virou entгo para a Mгo que Tudo Havia Escrito. E ao invйs de
falar qualquer coisa, sentiu que o Universo ficava em silкncio, e ficou em
silкncio tambйm.
Uma forзa de Amor jorrou de seu coraзгo, e o rapaz comeзou a rezar. Era
uma oraзгo que nunca tinha feito antes, porque era uma oraзгo sem palavras
ou sem pedidos. Nгo estava agradecendo pelas ovelhas haverem encontrado um
pasto, nem implorando para vender mais cristais, nem pedindo para que a
mulher que havia encontrado estivesse esperando sua volta. No silкncio que
se seguiu, o rapaz entendeu que o deserto, o vento, e o sol tambйm buscavam
os sinais que aquela Mгo havia escrito, e procuravam cumprir seus caminhos e
entender o que estava escrito numa simples esmeralda. Sabia que aqueles
sinais estavam espalhados na Terra e no Espaзo, e que em sua aparкncia nгo
tinham qualquer motivo ou significado, e que nem os desertos, nem os ventos,
nem os sуis, e nem os homens sabiam porque tinham sido criados. Mas aquela
Mгo tinha um motivo para tudo isto, e sу ela era capaz de operar milagres,
de transformar oceanos em desertos, e homens em vento. Porque sу ela
entendia que um desнgnio maior empurrava o Universo a um ponto onde os seis
dias da criaзгo se transformariam na Grande Obra.


E o rapaz mergulhou na Alma do Mundo, e viu que a Alma do Mundo era a
parte da Alma de Deus, e viu que a Alma de Deus era a sua prуpria alma. E
que podia, entгo, realizar milagres.




O simum soprou naquele dia como jamais havia soprado. Durante muitas
geraзхes os бrabes contaram entre si a lenda de um rapaz que havia se
transformado em vento, quase destruнdo um acampamento militar, e desafiado o
poder do mais importante general do deserto.
Quando o simum parou de soprar, todos olharam para o lugar onde o rapaz
estava. Ele nгo estava mais lб; estava junto a um sentinela quase coberto de
areia, e que vigiava o outro lado do acampamento.
Os homens estavam apavorados com a bruxaria. Sу duas pessoas sorriam: o
Alquimista, porque tinha encontrado seu discнpulo certo, e o General, porque
o discнpulo tinha entendido a glуria de Deus.
No dia seguinte, o general despediu-se do rapaz e do Alquimista, e
pediu que uma escolta os acompanhasse atй onde os dois quisessem.




Caminharam o dia inteiro. Quando estava entardecendo, chegaram em
frente a um mosteiro copta. O Alquimista dispensou a escolta, e desceu de
seu cavalo.
ґ Daqui para frente vocк vai sozinho ґ disse o Alquimista. ґ Sгo apenas
trкs horas atй as Pirвmides.
ґ Obrigado ґ disse o rapaz. ґ Vocк me ensinou a Linguagem do Mundo.
ґ Eu apenas recordei o que vocк jб sabia.
O Alquimista bateu na porta do mosteiro. Um monge todo vestido de preto
veio atender. Conversaram alguma coisa em copta, e o alquimista convidou o
rapaz para entrar.
ґ Pedi que me emprestasse um pouco a cozinha ґ disse ele.
Foram atй a cozinha do mosteiro. O Alquimista acendeu o fogo, e o monge
trouxe um pouco de chumbo, que o Alquimista derreteu dentro de um vaso de
ferro. Quando o chumbo tinha virado lнquido, o Alquimista tirou do seu saco
aquele estranho ovo de vidro amarelado. Raspou uma camada do tamanho de um
fio de cabelo, envolveu-o em cera, e atirou na panela com o chumbo.
A mistura ganhou uma cor vermelha, como o sangue. O Alquimista entгo
tirou a panela do fogo e a deixou esfriar. Enquanto isto, conversava com o
monge a respeito da guerra dos clгs.
Deve durar muito ґ disse ele para o monge.
O monge estava aborrecido. Fazia tempo que as caravanas estavam paradas
em Gizeh, esperando que a guerra acabasse. "Mas seja feita a vontade de
Deus", disse o monge.
ґ Exatamente ґ respondeu o Alquimista.
Quando a panela acabou de esfriar, o monge e o rapaz olharam
deslumbrados. O chumbo tinha secado na forma circular da panela, mas jб nгo
era mais chumbo. Era ouro.
ґ Aprenderei a fazer isto um dia? ґ perguntou o rapaz.
ґ Esta foi minha Lenda Pessoal, e nгo a sua ґ respondeu o Alquimista. ґ
Mas queria lhe mostrar que й possнvel.
Caminharam de novo atй a porta do convento. Ali, o Alquimista dividiu o
disco em quatro partes.
ґ Esta й para vocк ґ disse ele, estendendo uma parte para o monge. ґ
Por sua generosidade com os peregrinos.
ґ Estou recebendo um pagamento alйm da minha generosidade ґ respondeu o
monge.
ґ Jamais repita isto. A vida pode escutar, e lhe dar menos da prуxima
vez.
Depois aproximou-se do rapaz.
ґ Esta й para vocк. Para pagar o que deixou com o general.
O rapaz ia dizer que era muito mais do que havia deixado com o general.
Mas ficou quieto, porque tinha ouvido o comentбrio do Alquimista com o monge
...
ґ Esta й para mim ґ disse o Alquimista, guardando uma parte. ґ Porque
tenho que voltar pelo deserto, e existe uma guerra entre os clгs.
Entгo pegou o quarto pedaзo e deu de novo para o monge.
ґ Esta й para o rapaz. Caso ele necessite.
ґ Mas estou indo em busca do meu tesouro ґ disse o rapaz. Estou perto
dele agora!


ґ E tenho certeza que irб encontrб-lo ґ falou o Alquimista.
ґ Entгo por que isto?
ґ Porque vocк jб perdeu duas vezes, com o ladrгo e com o general, o
dinheiro que ganhou em sua viagem. Eu sou um velho бrabe supersticioso, que
acredito nos provйrbios de minha terra. E existe um provйrbio que diz:
"Tudo que acontece uma vez, pode nunca mais acontecer. Mas tudo que
acontece duas vezes, acontecerб certamente uma terceira".
Montaram em seus cavalos.


ґ Quero lhe contar uma histуria sobre sonhos ґ disse o Alquimista.
O rapaz aproximou seu cavalo.
ґ Na antiga Roma, na йpoca do imperador Tibйrio, vivia um homem muito
bom, que tinha dois filhos: um era militar, e quando entrou para o exйrcito,
foi enviado para as mais distantes regiхes do Impйrio. O outro filho era
poeta, e encantava toda Roma com seus belos versos.
"Certa noite, o velho teve um sonho. Um anjo lhe aparecia para dizer
que as palavras de um de seus filhos seriam conhecidas e repetidas no mundo
inteiro, por todas as geraзхes vindouras. O velho homem acordou agradecido e
chorando naquela noite, porque a vida era generosa, e havia lhe revelado uma
coisa que qualquer pai teria orgulho de saber.
"Pouco tempo depois, o velho morreu ao tentar salvar uma crianзa que ia
ser esmagada pelas rodas de uma carruagem. Como tinha se comportado de
maneira correta e justa por toda a sua vida, foi direto para o cйu, e
encontrou-se com o anjo que havia aparecido em seu sonho.
"ґ Vocк foi um homem bom ґ disse-lhe o anjo. ґ Viveu sua existкncia com
amor, e morreu com dignidade. Posso realizar agora qualquer desejo que
tenha.
"ґ A vida tambйm foi boa para mim ґ respondeu o velho. ґ Quando vocк
apareceu em um sonho, senti que todos os meus esforзos estavam justificados.
Porque os versos de meu filho ficarгo entre os homens pelos sйculos
vindouros. Nada tenho a pedir para mim; entretanto, todo pai se orgulharia
de ver a fama de alguйm que ele cuidou quando crianзa e educou quando jovem.
Gostaria de ver, no futuro distante, as palavras do meu filho.
"O anjo tocou no ombro do velho, e os dois foram projetados para um
futuro distante. Em volta deles apareceu um lugar imenso, com milhares de
pessoas, que falavam numa lнngua estranha.
"O velho chorou de alegria.
"ґ Eu sabia que os versos do meu filho poeta eram bons e imortais ґ
disse para o anjo, entre lбgrimas. ґ Gostaria que vocк me dissesse qual de
suas poesias estas pessoas estгo repetindo.
"O anjo entгo se aproximou do velho com carinho, e sentaram-se num dos
bancos que havia naquele imenso lugar.
"ґ Os versos de seu filho poeta foram muito populares em Roma ґ disse o
anjo. ґ Todos gostavam, e se divertiam com eles. Mas quando o reinado de
Tibйrio acabou, seus versos tambйm foram esquecidos. Estas palavras sгo de
seu filho que entrou para o exйrcito.
"O velho olhou surpreso para o anjo.


"ґ Seu filho foi servir num lugar distante, e tornou-se centuriгo. Era
tambйm um homem justo e bom. Certa tarde, um dos seus servos ficou doente, e
estava para morrer. Seu filho, entгo, ouviu falar de um rabi que curava os
doentes, e andou dias e dias em busca deste homem. Enquanto caminhava,
descobriu que o homem que estava procurando era o Filho de Deus. Encontrou
outras pessoas que haviam sido curadas por ele, aprendeu seus ensinamentos,
e mesmo sendo um centuriгo romano converteu-se а sua fй. Atй que certa manhг
chegou perto do Rabi.
"ґ Contou-lhe que tinha um servo doente. E o Rabi se prontificou a ir
atй sua casa. Mas o centuriгo era um homem de fй, e olhando no fundo dos
olhos do Rabi, compreendeu que estava mesmo diante do Filho de Deus, quando
as pessoas em volta deles se levantaram.
"ґ Estas sгo as palavras de seu filho ґ disse o anjo ao velho . ґ Sгo
as palavras que ele disse ao Rabi naquele momento, e que nunca mais foram
esquecidas". Dizem: "Senhor eu nгo sou digno que entreis em minha casa, mas
dizei uma sу palavra e meu servo serб salvo".

O Alquimista moveu seu cavalo.
ґ Nгo importa o que faзa, cada pessoa na Terra estб sempre
representando o papel principal da Histуria do mundo ґ disse ele.
ґ E normalmente nгo sabe disto.
O rapaz sorriu. Nunca havia pensado que a vida pudesse ser tгo
importante para um pastor.
ґ Adeus ґ disse o Alquimista.
ґ Adeus ґ respondeu o rapaz.






O rapaz caminhou duas horas e meia pelo deserto, procurando escutar
atentamente o que seu coraзгo dizia. Era ele que iria revelar o local exato
onde o tesouro estava escondido.
"Onde estiver seu tesouro, ali estarб tambйm o seu coraзгo", dissera o
Alquimista.
Mas seu coraзгo falava em outras coisas.
Contava com orgulho a histуria de um pastor que havia deixado suas
ovelhas para seguir um sono que se repetiu duas noites. Contava da Lenda
Pessoal, e de muitos homens que fizeram isto, que foram em busca de terras
distantes ou de mulheres bonitas, enfrentando os homens de sua йpoca com
seus preconceitos e conceitos. Falou durante todo aquele tempo de viagens,
de descobertas, de livros e de grandes mudanзas.
Quando ia comeзar a subir uma duna ґ e sу naquele momento ґ foi que seu
coraзгo sussurrou ao seu ouvido ґ "esteja atento para o lugar onde vocк
chorar. Porque neste lugar estou eu, e neste lugar estб seu tesouro".
O rapaz comeзou a subir a duna lentamente. O cйu, coberto de estrelas,
mostrava de novo uma lua cheia; haviam caminhado um mкs pelo deserto. A lua
iluminava tambйm a duna, num jogo de sombras, que fazia com que o deserto
parecesse um mar cheio de ondas, e fazia com que o rapaz se lembrasse do dia
em que soltara livremente um cavalo pelo deserto, dando um bom sinal ao
Alquimista. Finalmente a lua iluminava o silкncio do deserto, e a jornada
que fazem os homens que buscam tesouros.
Quando, depois de alguns minutos, chegou ao topo da duna, seu coraзгo
deu um salto. Iluminadas pela luz da lua cheia e pelo branco do deserto,
erguiam-se majestosas e solenes as Pirвmides do Egito.
O rapaz caiu de joelhos e chorou. Agradecia a Deus por haver acreditado
em sua Lenda Pessoal, e por haver encontrado certo dia um rei, um mercador,
um inglкs, e um alquimista. Sobretudo, por haver encontrado uma mulher do
deserto, que lhe tinha feito entender que o Amor jamais vai separar o homem
de sua Lenda Pessoal.
Os muitos sйculos das Pirвmides do Egito contemplavam, do alto, o
rapaz. Se ele quisesse, podia agora voltar ao oбsis, pegar Fбtima, e viver
como simples pastor de ovelhas. Porque o Alquimista vivia no deserto, mesmo
compreendendo a Linguagem do Mundo, mesmo sabendo transformar chumbo em
ouro. Nгo tinha que mostrar a ninguйm sua ciкncia e sua arte. Enquanto
caminhava em direзгo а sua Lenda Pessoal, havia aprendido tudo que
precisava, e havia vivido tudo que tinha sonhado viver.
Mas havia chegado ao seu tesouro, e uma obra sу estб completa quando o
objetivo й atingido. Ali, naquela duna, o rapaz havia chorado. Olhou para o
chгo e viu que, no local onde haviam caнdo suas lбgrimas, um escaravelho
passeava. Durante o tempo que havia passado no deserto, tinha aprendido que,
no Egito, os escaravelhos eram o sнmbolo de Deus.
Ali estava mais um sinal. E o rapaz comeзou a cavar, depois de
lembrar-se do mercador de cristais; ninguйm conseguiria ter uma Pirвmide no
seu quintal, mesmo que amontoasse pedras por toda a sua vida.

Durante a noite inteira o rapaz cavou no lugar marcado, sem encontrar
nada. Do alto das Pirвmides, os sйculos o contemplavam, em silкncio . Mas o
rapaz nгo desistia:


cavava e cavava, lutando com o vento, que muitas vezes tornava a trazer
a areia de volta para o buraco. Suas mгos ficaram cansadas depois feridas,
mas o rapaz acreditava em seu coraзгo. E seu coraзгo dissera para cavar onde
suas lбgrimas caнssem.
De repente, quando estava tentando tirar algumas pedras que haviam
aparecido, o rapaz ouviu passos. Algumas pessoas se aproximaram dele.
Estavam contra a lua, e o rapaz nгo podia ver seus olhos, nem seus rostos.
ґ O que vocк estб fazendo aн? ґ perguntou um dos vultos.
O rapaz nгo respondeu. Mas sentiu medo. Tinha agora um tesouro para
desenterrar, e por isso tinha medo.
ґ Somos refugiados da guerra dos clгs ґ disse outro vulto. ґ Precisamos
saber o que vocк esconde aн. Precisamos de dinheiro.
ґ Nгo escondo nada ґ respondeu o rapaz.
Mas um dos recйm-chegados agarrou-o e o puxou para fora do buraco.
Outro comeзou a revistar seus bolsos. E encontraram o pedaзo de ouro.
ґ Ele tem ouro ґ disse um dos salteadores.
A lua iluminou a face de quem o estava revistando, e ele viu, em seus
olhos, a morte.
ґ Deve haver mais ouro escondido no chгo ґ disse outro.
E obrigaram o rapaz a cavar. O rapaz continuou cavando, e nгo havia
nada. Entгo comeзaram a bater no rapaz. Espancaram o rapaz atй que
aparecessem no cйu os primeiros raios de sol. Sua roupa ficou em frangalhos,
e ele sentiu que a morte estava prуxima.
"De que adianta o dinheiro, se tiver que morrer? Poucas vezes o
dinheiro й capaz de livrar alguйm da morte", dissera o Alquimista.
ґ Estou procurando um tesouro! ґ gritou finalmente o rapaz. E mesmo com
a boca ferida e inchada de pancadas, contou aos salteadores que havia
sonhado duas vezes com um tesouro escondido junto das Pirвmides do Egito.
O que parecia o chefe ficou um longo tempo em silкncio. Depois falou
com um deles:
ґ Pode deixб-lo. Ele nгo tem mais nada. Deve ter roubado este ouro.
O rapaz caiu com o rosto na areia. Dois olhos procuraram os seus; era o
chefe dos salteadores. Mas o rapaz estava olhando as Pirвmides.
ґ Vamos embora ґ disse o chefe para os outros.
Depois, virou-se para o rapaz:
ґ Vocк nгo vai morrer ґ disse. ґ Vai viver e aprender que o homem nгo
pode ser tгo estъpido. Aн, neste lugar onde vocк estб, eu tambйm tive um
sonho repetido hб quase dois anos atrбs. Sonhei que devia ir atй os campos
da Espanha, buscar uma igreja em ruнnas onde os pastores costumavam dormir
com suas ovelhas, e que tinha um sicфmoro crescendo dentro da sacristia, se
eu cavasse na raiz deste sicфmoro, haveria de encontrar um tesouro
escondido. Mas nгo sou estъpido de cruzar um deserto sу porque tive um sonho
repetido.
Depois foi embora.
O rapaz levantou-se com dificuldade, e olhou mais uma vez para as
Pirвmides. As Pirвmides sorriram para ele, e ele sorriu de volta, com o
coraзгo repleto de felicidade.
Havia encontrado o tesouro.




    EPНLOGO



O rapaz chamava-se Santiago. Chegou na pequena igreja abandonada quando
jб estava quase anoitecendo. O sicфmoro ainda continuava na sacristia, e
ainda se podiam ver as estrelas atravйs do teto semidestruнdo. Lembrou-se
que certa vez havia estado ali com suas ovelhas, e que tinha sido uma noite
tranqьila, exceto pelo sonho.
Agora ele estava sem o seu rebanho. Ao invйs disto, trazia uma pб.
Ficou muito tempo olhando o cйu. Depois tirou do alforje uma garrafa de
vinho, e bebeu. Lembrou-se da noite no deserto, quando tinha tambйm olhado
as estrelas e bebido vinho com o Alquimista. Pensou nos muitos caminhos que
tinha andado, e a maneira estranha de Deus lhe mostrar o tesouro. Se nгo
tivesse acreditado em sonhos repetidos, nгo tinha encontrado a cigana, nem o
rei, nem o salteador, nem... "bom, a lista й muito grande. Mas o caminho
estava escrito pelos sinais, e eu nгo tinha como errar", disse para si
mesmo.
Dormiu sem perceber, e quando acordou, o sol jб ia alto. Entгo comeзou
a escavar a raiz do sicфmoro.
"Velho bruxo", pensava o rapaz. "Vocк sabia de tudo. Deixou atй mesmo
um pouco de ouro para que eu pudesse voltar atй esta Igreja. O monge riu
quando me viu voltar em frangalhos. Nгo podia me poupar isto?"
"Nгo", ele escutou o vento dizer: "Se eu tivesse lhe contado, vocк nгo
teria visto as Pirвmides. Sгo muito bonitas, nгo acha?"
Era a voz do Alquimista. O rapaz sorriu e continuou a cavar. Meia hora
depois, a pб bateu em algo sуlido. Uma hora depois ele tinha diante de si um
baъ cheio de velhas moedas de ouro espanholas. Havia tambйm pedrarias,
mбscaras de ouro com penas brancas e vermelhas, нdolos de pedra cravejados
de brilhantes. Peзas de uma conquista que o paнs jб havia esquecido hб muito
tempo, e que o conquistador se esquecera de contar para seus filhos.
O rapaz tirou o Urim e o Tumim do alforje. Tinha utilizado as duas
pedras apenas uma vez, quando estava certa manhг, num mercado. A vida e o
seu caminho estiveram sempre cheios de sinais.
Guardou o Urim e o Tumim no baъ de ouro. Eram tambйm parte de seu
tesouro, porque lembravam um velho rei que jamais tornaria a encontrar.
"Realmente a vida й generosa com quem vive sua Lenda Pessoal", pensou o
rapaz. Entгo lembrou-se de que tinha que ir atй Tarifa, e dar um dйcimo
daquilo tudo para a cigana. "Como sгo espertos os ciganos", pensou. Talvez
fosse porque viajavam tanto.
Mas o vento voltou a soprar. Era o Levante, o vento que vinha da
Бfrica. Nгo trazia o cheiro do deserto, nem a ameaзa de invasгo dos mouros.
Ao invйs disto, trazia um perfume que ele conhecia bem, e o som de um beijo
ґ que veio vindo devagar, devagar, atй parar em seus lбbios.
O rapaz sorriu. Era a primeira vez que ela fazia isto.
ґ Estou indo, Fбtima ґ disse ele.